Antônia Faleiros: a ex doméstica que venceu ao se tornar juíza de direito

Antônia Marina Aparecida de Paula Faleiros é professora, escritora, palestrante, articulista e juíza de direito da 1ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Antônia é um exemplo de vida quando o assunto é dificuldades, perseverança, foco, determinação e superação. Durante a sua trajetória, passou por muitas lutas e preconceitos, mas isso só serviu para fortalece-la e impulsiona-la a alcançar os seus objetivos, conquistando um lugar ao sol.

Quem é Antônia Faleiros, que de doméstica se tornou uma juíza de direito? Convido a todos para conhecerem essa grande guerreira. Entre os seus projetos sociais, a mineira Antônia desenvolveu um projeto voltado para o resgate da cidadania dos carvoeiros e de seus familiares da cidade de Mucuri – Bahia, e desenvolve um outro com crianças em Lauro de Freitas, Bahia. Com o primeiro projeto, Dra Antônia ganhou o prêmio no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Antônia Marina Aparecida de Paula Faleiros, 60 anos – pela linhagem de sangue – e Faleiros – pelo afeto – nasceu na comunidade do Barro Amarelo, zona rural de Serra Azul de Minas, cerca de 300 km de Belo Horizonte, em 06 de julho de 1963. Filha do trabalhador braçal, Nilo Firmino de Paula e da dona de casa, Maria das Dores Silva Paula, Antônia cresceu não somente na pobreza, mas vítima do preconceito, racismo e exclusão, sendo humilhada e rejeitada pela sua condição de extrema pobreza e também por sua aparência.

Gosta de gente e considera o ser humano a matéria prima mais preciosa do Universo. Desde de 2018 ostenta orgulhosamente o título de avó da Mel. Antônia escreveu o livro “Retalhos: Colcha de histórias para Mel” dedicado para sua neta. Nessa obra que foi lançada em 30 de outubro de 2020, quando sua neta tinha 1 ano e 8 meses, ela resgata a sua infância e na esperança que a sua história possa servir de inspiração, levar uma luz de esperança a todos aqueles que lutam por um lugar ao sol. O livro a remete a lembranças da infância onde enfrentou muitas dificuldades, mas também traz memórias afetivas dessa época.

Filha mais velha de cinco irmãos, aprendeu suas primeiras letras aos 4 anos de idade com a sua mãe, D. Maria, já que a família vivia na zona rural onde não havia escola, e em situação de extrema privação e de restrição material.

Cursou o ensino fundamental na Escola Estadual (antigo grupo escolar) Angelo de Miranda de Serro Azul de Minas e o segundo grau – magistério – no Colégio Nossa Senhora da Conceição, Serro, Minas Gerais. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e Mestrado em Segurança Pública, Justiça e Cidadania, pela Universidade Federal da Bahia.

Antônia era apenas uma criança, quando começou a lavar roupas pra fora e assim ajudar nas despesas de casa. Quando completou 12 anos de idade, foi trabalhar em um canavial no interior de Minas Gerais, assim como os outros irmãos, já que os pais tinham dificuldades financeiras para prover o sustento de todos. Antônia sempre foi vista como uma “menina esforçada”, que gostava de ler. No acampamento do canavial onde ajudava os pais, ela acendia uma lamparina em uma cabana para ler na escuridão.

Aos 22, foi  para Belo Horizonte atrás de um emprego, e ficou morando alguns dias de favor na casa de parentes, mas não pode permanecer, ao alegarem que a casa era muito pequena.

Conseguiu um trabalho de empregada doméstica e achou que os seus problemas se resolveriam, já que não poderia mais ficar na casa dos parentes. Antônia tinha esperanças de ser uma empregada que dormisse no emprego, assim teria um lugar para ficar, mas sua patroa não permitiu dizendo que uma pessoa estranha tiraria a liberdade dos donos da casa.

Antônia chegou a pedir para a sua patroa que a deixasse morar num quartinho que existia nos fundos da casa ao que ela respondeu: “negrinha dentro de casa é tentação pra marido e filho”. Sem lugar para ficar, chegou a dormir durante meses em um ponto de ônibus, enfrentando o frio e o perigo. Antônia mentia para a sua mãe, dizendo que dormia no emprego e para a patroa dizia que dormia na casa dos parentes. Antônia trabalhou como domestica por 5 anos.

Certo dia viu no jornal um anúncio de concurso, patrocinado por um curso preparatório, com os cargos e as exigências, e o de oficial chamou a sua atenção porque as matérias eram apenas três: português, matemática e noções de direito. Sem condições financeiras de comprar as apostilas do cursinho e em busca de realizar os seus sonhos, Antônia catava no lixo, as folhas descartadas de um mimeógrafo que a secretária de onde eram feitas as apostilas do cursinho preparatório descartava por estarem borradas e cópias manchadas ou inutilizadas que outros alunos jogavam no lixo.

Aquelas folhas foram a sua salvação e pode estudar através delas, conseguindo uma boa pontuação na noção de direito e ficando em terceiro lugar no concurso. Em 1986, passou no vestibular e em 1987 iniciou seus estudos. Todos tem conhecimento de como é difícil e concorrido ser aprovado em um concurso público no Brasil, devido ao salário e a segurança que oferecem aos que conseguem vencer.

A carreira jurídica aconteceu na sua vida devido as circunstâncias, quando no momento da inscrição, um amigo desembargador a influenciou sobre fazer a faculdade de direito por ela ficar próxima do Tribunal e lá ser servido o bandejão, já que a noite ela sentia fome e não tinha como pagar a alimentação e o pensionato onde vivia. Como aluna do curso, teria a sua disposição um bandejão, inclusive nos finais de semana, assim não sentiria mais fome.

Sua trajetória de doméstica até alcançar o cargo do Judiciário foi uma longa caminhada, repleta de lutas, tristezas, lágrimas, que começou aos 22 anos, quando concorreu ao primeiro concurso público para ser oficial de Justiça, que exigia apenas o ensino médio. “Foi o mais marcante, porque me tirou da rua e me deu o mínimo para sobreviver.” Sofreu inúmeros tipos de preconceito no decorrer da sua vida, mas nem por um instante pensou em desistir. Antônia ouviu várias vezes, que não tinha cara de juíza. “Até hoje tem gente que olha para mim e diz: Dona, cadê a juíza?”.

A magistrada superou adversidades que pareciam impossíveis de ultrapassar, mas é uma prova viva de que quando você sonha e luta por realiza-lo, mesmo que demore um pouco, você vai ter o prazer de saborear o gosto da vitória. Foram anos de dedicação e muitos concursos públicos, até que ela conseguisse alcançar a magistratura.

Antônia Faleiros é Mestra em Segurança Pública, Justiça e Cidadania pela Universidade Federal da Bahia – UFBA – (2016). Pós Graduada latu sensu em Estudos de Política e Estratégia – ADESG/MG (1997). Pós-graduada strictu sensu em Direito Eleitoral – Faculdade Mauricio de Nassau de Salvador – EMAB/FUNDACEM (2008). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – (1991). Procuradora do Municipio de Belo Horizonte- (1993). Procuradora da Fazenda do Estado de Minas Gerais. (1994/2002). Advogada. Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia – TJBA – desde 2002. Professora de Teoria da Argumentação Jurídica IFBA/FASB (2004/2005). Pesquisadora. Palestrante.

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Da Redação by Cleo Oshiro

Cleo Oshiro
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