Para comemorar o cinquentenário do Movimento Armorial, o Selo Sesc SP lança Armoriando, segundo disco do duo de instrumentistas Ana de Oliveira (violino) e Sérgio Raz (viola de 12 cordas).
Antes de mergulhar no trabalho, recorro ao texto da jornalista e pesquisadora especializada em música Camila Fresca: “Idealizado pelo escritor, poeta e dramaturgo
Ariano Suassuna (1927-2014), o Movimento Armorial tinha como objetivo reunir artistas de áreas as mais variadas, como a cerâmica ou a poesia, em torno da construção de uma arte popular-erudita nordestina”.
Ainda segundo ela, agora citando o pesquisador e professor Sérgio Barza: “A maior parte das peças era de duração curta, geralmente modal, e as composições baseavam-se
em gêneros nordestinos do interior e do litoral, como baião, aboio, embolada, coco etc.” Assim, imbuídos desse espírito libertário, Ana de Oliveira e Sérgio Raz formaram o duo em 2018.
Hoje, o que se ouve por suas mãos é um trabalho alucinante, uma demonstração de riqueza melódica e rítmica de tal eloquência, que é impossível não amar a música profunda, seca, mas viçosa, que tocam.
Seus dedos não temem o futuro, muito menos o presente, pouco afeito a estranhezas harmônicas. Soam uma música que vem da terra que produz riquezas, do ar que traz leveza, do sol que ilumina a vida. E dando um banho de brasilidade em quem os ouve, sente-se que seus instrumentos moldam nossas almas, e as deles, fazendo-nos mais generosos.
Durante a audição, o fenômeno vem tocando o onírico, eriçando os pelos, relando o arrebatamento. Este, que, por sua vez, brota como brotam as águas prazenteiras da cacimba, cercada dos espinheiros de mandacaru, encharcando o chão nordestino com a mais sincera musicalidade universal.
A tampa abre com “Lancinante”* (Antônio Madureira), um exemplo da pujança sonora que permeará o repertório. Junto com o violino de Ana e a viola de doze de Sérgio, vibra a percussão de Marcos Suzano.
Composições do próprio Sérgio Raz brilham: “Armoriando” e “Cortejo”, a primeira com belo arranjo para o duo (Sérgio fez todos os arranjos do álbum), e a segunda, mais uma vez, tem a percussão de Suzano.
Outra preciosidade é “Galope”** (Guerra-Peixe). Já a suíte “A Pedra do Reino”, em versão criada na década de 1990 (importante obra do Movimento Armorial) e adaptada por Sérgio Raz para o duo e um bom quarteto de cordas fecha a tampa.
Dentre tantos poetas, como o paraibano Suassuna e os pernambucanos Hermílo Borba Filho (1917-1976), João Cabral de Melo Neto (1920-1999) e Carlos Pena Filho (1929-1960), e os compositores Capiba (1904-1997) e Luiz Gonzaga (1912-1989), que alumiaram a histórica saga nordestina rumo ao futuro, ouso dizer que eles são responsáveis pela identidade ancestral do povo brasileiro. Formidável assim.
Aquiles Rique Reis
“Nossos protetores nunca desistem de nós.”
(frase da doutrina espírita)
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