“Relax”: 2º CD de Kassin ganhou edição japonesa.
Entre “Sonhando devagar”, disco de estreia aclamado pela crítica brasileira como um dos melhores álbuns lançados em 2011, e este sucessor “Relax”, que agora chega ao mercado nacional pelo selo Lab 344, muita coisa aconteceu na carreira e na vida pessoal de Alexandre Kamal Kassin (44). Não foram apenas sete anos (ou seis, considerando que o disco ganhou edição japonesa em junho de 2017). Cantor, compositor e multi-instrumentista brasileiro, Kassin é o produtor requisitado por Caetano Veloso, Los Hermanos, Vanessa da Mata e Adriana Calcanhoto acrescentou à sua lista de clientes superbacanas bem atendidos Gal Costa, Erasmo Carlos, Tim Maia (postumamente, no “Tim Maia Racional, Vol. 3”).
E, de forma marcante, teve a honra de tocar, colaborar e aprender com um de seus mestres e decisiva influência, Lincoln Olivetti (1954-2015), antes de sua súbita partida. A escolha do título pode ter sido inconsciente, mas não é por acaso que “Relax” também é o nome de uma cultuada pérola de Lincoln e Robson Jorge (1954-1992), gravada pelo Painel de Controle no clássico vinil “Chama a turma toda”, de 1978.
De 2011 para cá, Kassin seguiu com o baile na Orquestra Imperial, mesmo baqueada pela perda de Nelson Jacobina (1953-2012) e, mais recentemente, de Wilson das Neves (1936-2017). A amizade e a colaboração como o baterista, morto aos 81 anos, em agosto, ainda irá aflorar em dois discos póstumos. O baixista e cantor dos projetos +2 viu suas conexões internacionais se solidificarem, rendendo elogios como o do famoso DJ e dono de selo franco-britânico Gilles Peterson, que o definiu como “o Brian Eno do Brasil”, e mais parcerias.
Especialmente fértil foi o encontro com o grupo polonês Mitch & Mitch, com quem compôs, gravou e lançou, no ano passado, “Visitantes nordestinos” (sem edição no Brasil). Com os amigos Alberto Continentino (baixo), Danilo Andrade (teclados), Guilherme Monteiro (guitarra) e Stephane San Juan (bateria), Kassin empunhou novamente a guitarra em uma formação instrumental, Cometa. Parceiros em outros projetos, eles formaram o grupo ainda em 2014, inicialmente apenas para tocar em um festival em São Paulo, o Nublu.
Com ótimo entrosamento e sintonia nas referências, no ano seguinte registraram em disco (intitulado “Cometa”) o que chamam de “temas interestelares” com elementos de surf music, trilhas de “western spaghetti” e outras mumunhas mais. O Cometa segue até hoje em atividade, podendo reparecer a qualquer momento em shows abertos para o improviso, seja no estúdio Audio Rebel, no Rio (“quintal” deles) ou em outro canto do planeta.
Todos esses encontros – e também as grandes perdas – influenciaram este “Relax”. Mas, já a partir do título, o segundo disco solo de Kassin se recusa a chafurdar nos clichês tristonhos.
As 14 faixas (12 delas, escritas pelo próprio Kassin, sendo seis sozinho, sem parceiros) reforçam a marca da sabedoria zen humorada do autor de “Tranquilo” (lançada em 2006, em “Futurismo”, de Kassin +2), que já soma 15 regravações, incluindo versões para francês e espanhol) e de “Água” (originalmente também de “Futurismo”), registrada por Caetano Veloso e até por bandas de forró.
Em quase todas as faixas, a cozinha rítmica é a mesma da estreia solo: Alberto Continentino no baixo e Stéphane San Juan na bateria. São dois grandes músicos que aliam alta performance com ótimo gosto e referências – além, é claro, da amizade e da intimidade que ajudam imensamente na parceria criativa.
Mas o dono da casa também brilha como baixista, em outro boogie de alto potencial nas pistas, “Momento de clareza”, que conta com belo trabalho de guitarra de Davi Moraes. “Acho que nunca toquei nada com tanta nota”, exagera Kassin, brincando.
O soulman Hyldon é outra participação de peso, em releitura irresistível de uma velha composição dele próprio que tinha ficado semi esquecida em “Deus, a Natureza e a Música”, LP que lançou – e renegou, em meio a brigas com a gravadora PolyGram – em 1976. A gravação conta com o MPC e o groove da banda portuguesa Orelha Negra, do baterista Fred (Banda do Mar), e foi feita em Portugal, quando essa turma toda estava reunida para um show no Rock in Rio Lisboa de 2012.
Isso não implica, claro, em concessões. Com todo amor pelo pop que possa ter, Kassin aprecia boas doses de veneno e “maldade”. A abertura do disco, “O anestesista”, é uma bossa com politraumatismos, feita para o disco que gravou com os poloneses do grupo Mitch & Mitch, também chegados a uma desconstrução sadia. “Quero o meu próprio anestesista/ dia e noite ao meu lado/ nos momentos mais difíceis”, suplica a letra, apontando para incômodos também no plano coletivo.
“Comprimidos demais”, com Domenico Lancellotti na bateria, e “As coisas que nós não fizemos” (parceria com Chris Cummings, a.k.a. Marker Starling, que também participa aos teclados) disfarçam a melancolia com doses de dissonância cognitiva. A segunda é assumidamente um sunshine pop em andamento lento, tristonho, apesar dos soluços discothèque do baixista (o próprio Kassin).
No caminho inverso da dor, a redenção amorosa aparece em um lindo pós-bolero trôpego, “Enquanto desaba o mundo” (gravado anteriormente por Zabelê, filha de Baby e Pepeu, em 2015). O surrealismo, presente em alguns momentos do álbum de estreia, reaparece em “Digerido”, parceria com o irlandês Sean O’Hagan (dos High Llamas) cuja demência merece ser apreciada sem spoilers.
Com sutileza e doses de ironia, Kassin trabalha cada vez melhor as relações entre letra e música, como demonstram a nonsense e trocadilhesca “Seria o donut?” (parceria com o inglês Rob Gallagher, ex-Galliano) e a vibrante Jovem Guarda psicanalisada “Sua sugestão”. Na mesma linha, a releitura de “Coisinha estúpida”(“Something stupid”, sucesso na versão de Leno & Lílian em 1967) com Clarice Falcão investe em detalhes de perversidade.
Retirado do fundo do baú, o samba-canção “Estricnina”, gravada por Toni Platão em 2000, convida a um drinque no inferno – ou seria a um inferno pessoal na boate Drink, templo histórico do sambalanço em Copacabana? Com típico humor kassiniano, a faixa faz o organista Danilo Andrade incorporar um estrebuchante Djalma Ferreira (1913-2004). “Eu quero e desejo um veneno/ que dê fim ao seu descaso”, pede a letra, cruel. Mas a maior e mais impagável maldade fica para o fim: “Taxidermia”, que ironiza o romantismo dos hits declamados dos anos 1970. Francisco Cuoco talvez não curta. (Pedro Só)
Website: https://www.kassin.co/
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Da Redação by Cleo Oshiro
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