Julia Bosco lançou o CD “Dance com seu inimigo” no Teatro Rival. O lançamento aconteceu no dia 04/08 com uma linda festa repleta de boa música, descontração, alegria, amigos, fãs e casa lotada. Julia Bosco (guardem bem esse nome) é filha do cantor e compositor João Bosco e parceira musical e pessoal do Donatinho (considerado o mago contemporâneo dos sintetizadores). Donatinho é filho do tecladista e produtor João Donato. Julia e Donatinho além de ter pais que são ícones da MPB, tem uma história engraçada, afinal eles viveram um romance há uns 7 anos atrás e apesar de querer muito fazer um trabalho com ele, Julia ficava meio insegura devido ao passado dos dois.
Mas como a Julia é uma mulher determinada, convidou Donatinho para fazer seu segundo disco e acabaram se reconciliando. O CD Dance com seu inimigo é o segundo disco da cantora, mas Julia afirma que é como se fosse sua estreia, mesmo porque o seu primeiro CD Tempo que foi gravado em 2012 ela não se sentiu satisfeita com o disco. Mas o Dance com seu inimigo foi feito de maneira que a realizou musicalmente.
O CD Dance com seu inimigo mostra uma Julia sensual, evoluída e amadurecida musicalmente, mostrando que ela chegou para ficar e conquistar seu espaço na música.
Dez faixas, pouco menos de quarenta minutos e fica claro: temos uma voz. Uma voz com estilo, personalidade e ideias, para além do charme do timbre “meio antigo”. Uma voz com olhar – sensível, irônico, olhar de cronista atenta às urgências e carências dos relacionamentos e dos não-relacionamentos contemporâneos.
Depois da estreia com Tempo, em 2012, a artista que se revela neste segundo álbum, Dance com seu Inimigo, vem com pacote completo. A produção, os arranjos e as escolhas musicais de Donatinho sublinham a assinatura de Julia Bosco, fazendo acenos oitentistas que funcionam como pontes multigeracionais (afinal, os anos 80 foram viagens diferentes para cada turma – e mais diferentes ainda para quem nasceu depois do fim deles).
Por sua vez, o repertório, ancorado em oito composições inéditas (cinco co-escritas por Julia, outras pinçadas de amigos e pessoas com quem tem afinidade – “gente que me frequenta”, como ela bem resume), delimita com coerência um universo pop brasileiro que é totalmente deste milênio.
A faixa título, conduzida pela linha de baixo de Alberto Continentino e pelos sintetizadores do incrível arsenal de Donatinho, abre o salão e a pista, imperativa. Composta por Julia Bosco, Donatinho e Gustavo Macacko (com quem a cantora teve um projeto em tributo ao bendito Sérgio Sampaio) dá match instantâneo e corre para o abraço pop, rimando “lichia” com “hipotermia”.
A bela versão de “Maçã Última”, composta pela jovem gaúcha Gisele de Santi, amplia a persona da intérprete. Parte na contramão das duas faixas anteriores e fala de um relacionamento platônico, idealizado. A filiação indie da gravação original (lançada por
Gisele em 2013) ganha suingue no piano Fender Rhodes e um colorido especial nos synths com timbres de bandoneon e cravo salpicados.
Em “Quem Me Passa o Coração”, escrita com as amigas Juliana Sinimbú e Marcela Bellas, “deitadas na minha cama tomando vinho”, o baixo feito no sintetizador e os brinquedinhos rasgam o clima new wave, reforçado por marcantes vocais de Tulipa Ruiz.
E o recado neo-romântico da letra rejeita a pegação sem envolvimento, o tal “amor líquido” que o Bauman engarrafou conceitualmente: “Passa o olho, passa o dedo, passa a língua, passa a mão/ (…) Só não passa o coração, só não passa o coração, amor”.
A inédita “Cartas Marcadas” é um delicioso presente de Dona Onete, tesouro musical paraense de 76 anos que estreou em disco tardiamente, apenas em 2012. Donatinho, que a teve como convidada em seu álbum solo, Zambê, fez a ponte, e durante visita a Belém, Julia ganhou um carimbó chamegado, abolerado, calipsado para deitar e rolar na malandragem da letra.
O lirismo desconcertante da canção-vinheta “Pra Gozar”, parceria com Emerson Leal, fecha o disco em tom intimista. E merece ter seus 106 segundos ouvidos pela primeira vez sem spoilers.
Assim termina Dance Com Seu Inimigo, com gosto de quero-mais, dedinho coçando para o repeat ou para aquela difusão pelos playlists nossos de cada dia. Aqui temos uma voz. Sejamos todos ouvidos para ela.
Texto: By Pedro Só.
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