Os brasileiros interessados em trabalhar nas fábricas do Japão são, na maioria das vezes, homens e mulheres solteiros ou casais sem filhos entre 18 e 55 anos
No Brasil, a procura por trabalho nas empresas do Japão cresceu aproximadamente 30% nos últimos dois anos e Bauru segue o mesmo ritmo, segundo análise do segmento. Parece distante, mas os japoneses já começaram a se preparar para os Jogos Olímpicos de 2020, que será sediado por Tóquio. Inclusive, o evento esportivo gera oportunidades de trabalho para quem mora no país e, até mesmo, no Exterior.
De acordo com Edson Takao Koaro, consultor da Nippon Tour, empresa que é espécie de termômetro do setor, o interesse por trabalhar no Japão recomeçou em meados de 2013, quando o país conseguiu se recuperar da crise econômica. Neste ano, mais um motivo: a alta do dólar é vantagem para quem trabalha no Exterior.
Koaro explica ainda que, durante o inverno rigoroso, os agricultores japoneses vão até a região central do país para trabalhar nas fábricas. No entanto, as obras das Olimpíadas abriram inúmeras vagas de emprego na construção civil. Portanto, os agricultores passaram a trabalhar nesta área e as fábricas enfrentam um déficit de mão-de-obra.
Os brasileiros interessados em trabalhar nas fábricas do Japão são, na maioria das vezes, homens e mulheres solteiros ou casais sem filhos entre 18 e 55 anos.
Lá, eles chegam a enfrentar uma jornada de trabalho de até 12 horas por dia, mas recebem hora extra. O salário de um casal gira em torno de US$ 5 mil mensais, cerca de R$ 15 mil.
O consultor da Nippon Tour acrescenta que as demandas partem, principalmente, de fábricas de autopeças, alimentos e eletrônicos. Já as regiões com maior concentração de brasileiros são Aichi-Ken, Shizuoka-Ken, Gunma-Ken e Saitama-Ken. “Nós levantamos o perfil dos interessados e os encaminhamos para entrevistas, feitas por videoconferência”, informa.
Caminho de volta
Todavia, nem sempre foi assim. Só para rememorar, na década passada, a crise norte-americana, iniciada em 2008 (quando os EUA estavam em déficit, gastando mais do que podiam com o envolvimento em duas guerras, a do Iraque e a do Afeganistão) acabou afetando toda a Europa e a também o Japão.
Em meados de 2009, a crise financeira internacional levou filhos e netos de japoneses, que deixaram o Brasil, a percorrer o mesmo caminho que seus ascendentes. Na época, os dekasseguis, inclusive alguns bauruenses, retornaram ao solo verde e amarelo por medo da fome e do desemprego.
Mas hoje o caminho é inverso. Até mesmo para aqueles que já estiveram no Japão no passado. Fabiano Barbosa dos Santos, 38 anos, pretende deixar a esposa e a filha de 16 anos em Bauru para tentar a vida no Japão mais uma vez. Ele já morou 15 anos no país, mas retornou em 2009, porque perdeu o emprego durante a crise econômica. Lá, Fabiano cumpria uma jornada de trabalho de mais de nove horas diárias em uma montadora de carros e ganhava US$ 2,8 mil por mês.
Quando chegou a Bauru, abriu uma lanchonete, mas o negócio não vingou.
“Nossa economia está ruim”, justifica. O que mais atraiu o bauruense para o Japão foi o dólar em alta. Com a promessa de ganhar US$ 3 mil mensais, Fabiano deixará a família em Bauru, mas pretende voltar assim que conseguir juntar uma boa quantia. “Espero retornar dentro de três anos e tenho esperança de que a economia brasileira estará melhor”, defende.
Família completa
Já José de Oliveira Leme Neto, ou simplesmente Neto como é chamado, 37 anos, pretende deixar Bauru com a esposa Mirian Yoshie Iwaya de Oliveira Leme, 32 anos, e o filho Phillipp Yukio Iwaya de Oliveira Leme, 10 anos.
Pela quarta vez, os três embarcarão para o Japão. Com a expectativa de cumprir uma jornada de trabalho de 12 horas diárias, o casal pretende arrecadar US$ 6 mil por mês. “Nós trabalharemos em uma fábrica de autopeças”, conta José.
Em Bauru, a família mora com a mãe de José, porque ele está desempregado e não tem condições de bancar uma casa só para eles. Aliás, este é o maior sonho da família assim que se estabelecer no Japão.
“Queremos uma casa para chamar de nossa e não pensamos em voltar a morar no Brasil. Pretendemos criar nosso filho por lá e, se ele quiser, poderá voltar para fazer faculdade”, pontua.
Corrupção
O economista Mauro Gallo acredita que todos os países enfrentam problemas na economia, mas o caso do Brasil é ainda mais grave. “Nossa economia tem problemas e também enfrentamos intempéries na política. Mesmo que a economia japonesa não esteja uma maravilha, está melhor que a brasileira”, argumenta. Para Gallo, que é de Bauru, quando os descendentes de japoneses se deparam com uma corrupção que parece sem solução, pensam em deixar o Brasil. “Não só os japoneses, mas qualquer pessoa que tenha outra nacionalidade enxerga, em outros países, oportunidades de melhorar as condições de vida com mais respeito pelos cidadãos, o que ainda falta no Brasil”, finaliza.
Bauruense fala da vida na terra do sol nascente
Fabrício Iamasaki, 36 anos, duas filhas, uma de 6, Kiara, e outra de 4 anos, Bianca, casado com uma brasileira de Minas Gerais que conheceu no Japão, está em Nagoya e agora não pretende voltar ao Brasil. Só a passeio. A ideia desse bauruense, que ainda tem aqui na cidade a mãe, é criar as filhas lá no Japão. E ele já subiu um degrau na escala de trabalho japonesa. Nem ele, nem a esposa trabalham em fábricas. Laura Hocoya Iamasaki é professora em uma escola de idiomas, inclusive tem mestrado completado em uma universidade de Brasília. E Fabrício agora é secretário da mesma escola, que é uma franquia brasileira e virou internacional.
“Voltamos para o Brasil em 2010, minha esposa Laura ficou um ano no Brasil comigo e depois voltou para cá. Eu fiquei sozinho com as duas, morei sozinho por seis meses com elas, e depois que minha esposa estabilizou aqui, retornei com elas para o Japão sozinho, só Deus e eu”.
E está dando tudo certo. Tanto que a mais velha já começou o ano letivo no Japão e a menor ainda está em creche.
Como neto de japoneses, ele lembra que o país libera o visto de entrada para trabalhar por lá mas a quarta geração já não consegue o visto “só que o governo já está discutindo a liberação do visto por falta de mão de obra”.
Se isso anima quem pretende ir, há advertências a serem feitas. A começar pela cultura: além do idioma (ele lembra de ter comprado sal como açúcar, vinagre como óleo, e por aí vai), é preciso prestar atenção a coisas nas quais o brasileiro é muito relapso. A pontualidade, organização. Disciplina, limpeza, respeito ao meio ambiente e “o não desperdício”. “Aqui no Japão não existem lixeiras nem garis e as ruas estão, na sua maioria, sempre limpas”. Brasileiro costuma ter um choque com as regras de convivência e limpeza japonesas.
Sem ilusões
Como viver no Japão também não é barato, para conseguir guardar dinheiro é preciso trabalhar muito. Se viver só com a jornada normal dificilmente a pessoa vai conseguir guardar dinheiro, diz Fabrício. “Aqui é preciso fazer muita hora extra. Aí sim, compensa. E se você não trabalha não tem como abonar. É descontado seu dia, diferente daí”.
Ele diz que o ideal para juntar dinheiro é um casal sem filhos. Assim um ganha o suficiente para manter a casa e o que o outro ganhar é para fazer o famoso pé de meia. Também é preciso levar em conta que ninguém chega e bate na porta da fábrica. Todos os trabalhos são feitos através de agenciadores, as chamadas empreiteiras. E em muitas fábricas, às vezes, há duas ou três empreiteiras, num mesmo departamento. Só assim se consegue emprego.
Fabrício não desanima quem queira ir, mas também diz que é preciso uma preparação – “estude a cultura, os costumes e a língua, pelo menos o básico para não levar um baque quando pisar em terras nipônicas”.
Para ele, inclusive, foi um pouco mais fácil essa ambientação, porque um irmão mais velho, hoje morando em São Paulo, viveu 17 anos por lá e abriu o caminho.
Caso curioso
Por outro lado, depois que passa a fase de ambientação há muitas histórias divertidas e curiosas. Inclusive, como não há só brasileiros, o mundo em Nagoya – a exemplo de comunidades japonesas – vira um verdadeira torre de babel. Caso do time de futebol dele, onde tem americano, inglês, escocês, italiano, romeno, indiano, peruano, mexicano e, claro, brasileiro.
Não é difícil também esbarrar em bauruense. “Por incrível que pareça, eu estava trabalhando numa fábrica no quarto andar e no terceiro havia outro bauruense. Um não sabia do outro. De repente, nos encontramos no corredor. Foi assustador achar um conhecido de infância de Bauru, no mesmo local de trabalho, sem um sequer saber do outro”. Passado o susto, a amizade se estreitou.
E como coincidência pouca é bobagem, aqui vai: o amigo de infância de Fabrício é quem? O Neto, aquele relatado na matéria da página 4, que está deixando Bauru pela quarta vez. Neto foi entrevistado por Cinthia Milanez ainda em Bauru. Fabrício, entrevistado por Facebook. De novo os caminhos dos dois se cruzando. Sem um saber do outro. Quando soube da história, Fabrício começou a rir, até porque foi ele quem apresentou Neto à esposa, Mirian.
Agência Brasil/jcnet.com.br
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