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terça-feira, 2024/04/16  4:49
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Número de pobres no Japão cresce; brasileiros também vivem apuros

Um em cada seis japoneses vive com renda abaixo da marca de pobreza, índice recorde na história recente do país.

 

Quando deixou Taubaté (SP), há dez anos, acompanhando o ex-marido numa jornada rumo ao Japão, Priscilla Aparecida Pereira Gonçalves, de 36 anos, vislumbrava uma vida melhor.

Após apenas um ano de trabalho em fábricas japonesas, ela conseguiu pagar as dívidas acumuladas de um pequeno restaurante que tinha na cidade paulista.

Mas hoje, separada e desempregada, os tempos de aperto voltaram e a brasileira tem dificuldades para pagar todas as contas com os cerca de R$ 2.700 que recebe mensalmente de seguro-desemprego.

Para o governo japonês, Priscilla faz parte de um contingente que vem crescendo no país: o de pobres.

Segundo um levantamento divulgado recentemente pelo Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar, 16,1% da população do Japão vive com um rendimento abaixo do considerado limite para a pobreza – estipulado no país em cerca de R$ 27 mil por ano.

Isso significa que um em cada seis japoneses vive em situação de pobreza, uma marca recorde no país.

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Para Aya Abe, diretora do departamento de pesquisas empíricas do Instituto Nacional de Pesquisa da População e da Seguridade Social, a taxa de pobreza provavelmente subirá ainda por algum tempo.

“A pobreza não é apenas um problema econômico, mas também estrutural. Digo isso porque a taxa aumenta continuamente desde a década de 1980, mesmo durante os anos de prosperidade econômica”, disse a pesquisadora à BBC Brasil.

Um em cada seis japoneses vive em situação de pobreza, uma marca recorde no país

O índice do Japão tem aumentado constantemente e hoje está bem acima da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Em ranking publicado em meados dos anos 2000, o Japão já estava, com 15%, em quarto lugar na lista dos países-membros com maiores taxas de pobreza, ficando atrás de México (18,5%), Turquia (17,5%) e Estados Unidos (17%). A taxa mais baixa foi registrada na Dinamarca (5%).

Mães solteiras
Na pesquisa feita pelo governo japonês, 59,9% das famílias responderam que passam por dificuldades.

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Entre as causas desse fenômeno estão a queda da renda familiar, o prolongado período de deflação pelo qual o Japão passou e o aumento de lares formados por mães solteiras, que geralmente têm emprego de baixa remuneração.

Entretanto, Aya lembra que a deterioração das condições trabalhistas também colaboraram para o aumento do número de pobres. Um terço da força de trabalho no Japão é composta por trabalhadores com contratos temporários.

“Esses trabalhadores contratados ganham muito menos em comparação com os que tem emprego ‘permanente’ e isso é, sem dúvida, a principal causa de aumento da pobreza”, afirma.

Neste contexto, entram a maioria dos trabalhadores estrangeiros, como os brasileiros.

Um terço da força de trabalho no Japão é composta por trabalhadores com contratos temporários

Priscilla, por exemplo, trabalhou durante quatro anos numa fábrica e seu contrato era renovado mensalmente.

Ela deixou o emprego no começo deste ano. Fez bicos para poder sobreviver, mas não conseguia ganhar nem R$ 2 mil por mês, o que era insuficiente para pagar todas as contas.

“Por isso, completava com o dinheiro das economias que tinha feito ao longo dos anos”, conta.

Mesmo assim, voltar ao Brasil não está nos planos da brasileira. “Hoje me considero pobre, mas sei que é apenas uma fase. Estou há muito tempo fora do mercado de trabalho e longe dos costumes do meu próprio país”, justifica.

Pacote de estímulo
Preocupado com a taxa recorde de pobreza, o governo do primeiro-ministro Shinzo Abe anunciou em agosto um pacote de políticas para enfrentar o problema.

O Japão auxiliará em custos com educação dos filhos e ajudará adultos na procura por emprego fixo.

Os críticos dizem que as ações são insuficientes, uma vez que o governo atual tem uma política clara de proteção ao empresário.

Casos como o da brasileira Priscilla são comuns nas empresas japonesas. Cerca de 80% dos que vivem na pobreza no Japão fazem parte dos chamados trabalhadores pobres, de salários baixos, empregos temporários sem garantias e poucos benefícios.

Geralmente, ganham o suficiente para sobreviver, mas não para ir a restaurantes, fazer viagens e comprar supérfluos.

“Sempre quando sobra um dinheiro eu faço algo que gosto. Mas saídas frequentes como eu fazia até o ano passado, compras de roupas, sapatos e maquiagem já são considerados um luxo”, confessa Priscilla.

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Sem-teto
No período pós-guerra, em que muitos japoneses lutaram para garantir comida e abrigo num país devastado economicamente, a pobreza foi sendo atenuada conforme a economia japonesa retomava os trilhos.

Hoje, somente na capital japonesa, o governo estima em cerca de 1.700 pessoas que não possuem um endereço fixo

Pouco tempo depois, na década de 1970, havia um forte sentimento entre muitos japoneses de que estavam vivendo em um país mais igualitário, onde “todos pertenciam à classe média”.

No entanto, o abismo entre classes se abriu novamente na década de 1990, após o colapso da bolha econômica. A estagnação econômica persistente levou as empresas a acabar com o chamado “emprego vitalício”, do qual os japoneses tanto se orgulhavam.

Foi neste período que as ruas das grandes cidades começaram a ser invadidas por sem-teto. Hoje, somente na capital japonesa, o governo estima em cerca de 1.700 pessoas que não possuem um endereço fixo.

O número já foi maior, mas o problema está longe de acabar, já que a taxa de pobreza tem somente aumentado.

Kato Shirai, 68 anos, vive há cerca de quatro anos nas ruas de Tóquio. Ele guarda cuidadosamente alguns poucos pertences embaixo de uma marquise e passa o dia todo praticamente deitado. “É para evitar ficar com mais fome”, diz.

Shirai reclama da falta de ajuda do governo e diz que até gostaria de sair das ruas. “Mas como fazer isso se não há emprego?”, questiona.

A idade avançada e o fato de não ter um endereço fixo são empecilhos para muitos destes japoneses que vivem nas ruas.

“Para sobreviver, conto com a ajuda de voluntários, que vêm distribuir comida toda noite”, conta. “O difícil é quando chove e neva. O restante a gente aguenta”, fala.

g1.globo.com

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